segunda-feira, dezembro 17, 2012

HAGAR PEETERS

HAGAR PEETERS (Amesterdão, 1972), tornou-se conhecida do público holandês no Double-Talk Festival em 1997. O seu livro de estreia intitulado Genoeg gedicht over de liefde vandaag (Por Hoje, Chega de Poesia Sobre o Amor) surgiu dois anos depois, tendo sido imediatamente nomeado para o NPS –Cultuurprijs. Em 2004 foi publicado Koffers Zeelucht (Malas com Cheiro a Maresia) premiado com os prémios J.C. Bloem e Jo Peters Poëzieprijs em 2004. Hagar Peeters estudou Letras na universidade de Utrecht e a sua tese de mestrado Gerrit de Stoteraar – Biografie van een boef (Gerrit, o Gago – Biografia de um Meliante) ganhou em 2001 o prémio nacional para melhor tese, instituído pelo diário Het Parool. Esta tese foi posteriormente publicada fora do circuito académico pela editora Podium. A poesia de Hagar Peeters caracteriza-se pelo seu laconismo, uma pontinha de ironia e a combinação de abordar temas pesados com uma certa ligeireza. Os temas são diversos mas a grande maioria dos seus poemas concentra-se no amor e na inevitabilidade do seu fim.

Eis mais um excelente post (nota introdutória e traduções do original) de Maria Leonor Raven-Gomes, correspondente de poesia holandesa do Poesia Ilimitada.



ENCONTRO

Ele não apareceu.
Talvez tenha adoecido ou ficado debaixo de
um eléctrico. Talvez outra pessoa se pusesse na conversa com ele.
Talvez se tenha esquecido do relógio,
ou o relógio se tenha esquecido de lhe dar o tempo certo.
Talvez o carro não pegasse,
ou tenha ficado avariado a meio do caminho.
Talvez alguém lhe telefonasse quando ia a sair de casa,
dizendo-lhe que tinha de ir a um funeral
ou que a mãe dele tinha morrido.
Talvez tenha encontrado um antigo conhecido.
Talvez tenha tido uma discussão no emprego,
tenha sido despedido e esteja a esconder
a cabeça debaixo de uma almofada.
Talvez a ponte estivesse fechada e
a seguinte também.
Talvez o semáforo permanecesse vermelho.
Talvez o multibanco tenha engolido o cartão
ou a meio do caminho tenha reparado que se esquecera
do porta-moedas.
Talvez tenha perdido os óculos,
não conseguisse deixar de ler,
houvesse um programa que ele queria acabar de ver,
não conseguisse dar a volta à fechadura da porta,
não encontrasse as chaves em sítio nenhum e
o cão dele de repente começasse a vomitar.
Talvez não houvesse um telefone por perto,
não encontrasse o restaurante
ou esteja à espera noutro sítio, por engano.
Talvez – a última possibilidade,
incompreensível e inesperada –
ele tenha deixado de me amar.

(in Genoeg gedicht over de liefde vandaag, 1999)



§



ESTA NOITE CRUZEI-ME COM OS MEUS PAIS

Esta noite cruzei-me com os meus pais,
duas sombras pálidas reciprocamente atraídas,
à luz branca de um candeeiro.

Tendo em conta a felicidade demonstrada,
eu ainda não era nascida. Eram jovens e muito apaixonados.
Uma grande tristeza anuviou-me
porque eu sabia a continuação da história.

Ela soltava gargalhadas por causa de algo que ele lhe tinha sussurrado.
Ele ria alto como ainda costuma fazer.
Trocámos um cumprimento bem-educado e
depois cada um seguiu o seu caminho.

‘Vão ver’ gritei-lhes depois de passarem,
‘ainda havemos de nos encontrar’.
De braço dado, dobraram a esquina em silêncio.



§



NO SALÃO DE CABELEIREIRO

Senhoras folheiam fofocas nos assentos ao longo das paredes.
As cabeças sustentam rolos do tamanho de roldanas.
A mesma perna cruzada sobre a outra.
Parecem idênticas, mas não se engane.

Quando foram pela última vez ao cabeleireiro?
O que aconteceu entre o corte do cabelo
e o corte do cabelo?
Que amantes lhes afagaram os caracóis entretanto?
Em que momentos brincaram, tímidas como garotas,
com os seus cabelos?

Deixaram-nos em almofadas alheias,
em camas que depressa as esqueceram,
mas onde esposas atentas na noite seguinte
não conseguiam pegar no sono.

Incontáveis são os lavatórios
de onde, à custa, foram tirados.
Em que milímetro da Terra, digam lá,
é que eles não estiveram?

Mãos rudes deram-lhes puxões incontrolados,
onde outrora os lábios levemente pousavam
nos anos muito aquém da linha do cabelo.
Os velhos caíram, mas os novos reflexos aplicados
pareciam igualar o brilho da juventude para sempre.

Ventos de leste brincaram com eles nas florestas,
a roda gigante fê-los dançar em cidades europeias.
Aguaceiros locais que lhes estragavam o penteado e
o sol de Agosto em praias mediterrânicas
enfraqueceram-nos mais do que já estavam.

Que champôs, loções, gels e fixadores
se lhes colaram aos nervos, denunciando
o reduzido interesse das suas portadoras pelo autoconhecimento,
abençoadas com crinas curtas e volumosas, longas e finas,
revoltas e teimosas, rebeldes ou extravagantes,
indomáveis, desenxabidas ou sem vigor?

Precisavam elas de um produto contra a caspa?
Ou para aumentar o volume?
Precisavam elas de um produto para proteger
um couro cabeludo sensível porque
o cabelo - depois de todas as permanentes, pinturas, lacas,
descolorações e ripados – perdera toda
a sua macieza e elasticidade natural?

Uma vassoura varre-os para um monte,
todas essas testemunhas do curso da vida
e da existência limitada que lhes calhou.

(in Koffers Zeelucht, 2003)



3 comentários:

Tamborim Zim disse...

Gostei, especialmente do Encontro.

Samantha de Sousa disse...

Que blog maravilhoso! Quanto mais eu leio, mais me apaixono!!! É um belíssimo trabalho, perfeito!

Cada poema é um achado, cada poeta é um novo amor!

Já está entre meus preferidos!

Ramos Sobrinho disse...


Cada poema, dessa poeta, é uma dor ciática, um prego cravado nas mãos,
um cão faminto farejando as pedras ... uma dor no peito esquerdo da Vida.